"A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraiso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tem nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!" Octavio Paz
domingo, 16 de dezembro de 2012
Inspiração... Sobre leis e homens de balanças
Venham leis e homens de balanças, mandamentos daquém e dalém mundo.Venham ordens, decretos e vinganças, desça o juiz em nós até ao fundo. Nos cruzamentos da cidade, brilhe, vermelha, a luz inquisidora. Risquem no chão os dentes da vaidade e mandem que os lavemos à vassoura. A quantas mãos existam, peçam dedos para sujar nas fichas dos arquivos. Não respeitem mistérios, nem segredos, pois que é natural nos homens serem esquivos. Ponham livros de ponto em toda a parte, relógios a marcar a hora exata. Não aceitem outra arte, que não sejam inquérito, local e data. Mas quando nos julgarem bem seguros, cercados de bastões e fortalezas, hão de cair em estrondo os altos muros. E chegará o dia das surpresas.
José Saramago
http://tvcultura.cmais.com.br/provocacoes/pgm-596-venham-leis-e-homens-de-balancas-11-12-2012
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