"A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraiso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tem nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!" Octavio Paz


sábado, 10 de maio de 2014

Obstinação


Houve um tempo que teu olhar buscava as estrelas...
Eu, tão distante,
te encontrava no rubro cristalino de fim de tarde.
Notícias tuas me embriagavam!
Sob o matiz verdejante
a harmonia inscrita.
Promessa junto ao vento.
Tua presença vingou 
feito planta que brota 
entre as fissuras de concreto.
Presença minha,
seiva entre pedras.
Esperança?!
Não mais.
Apenas um capricho.
Teimosia do tempo.

Leila



domingo, 29 de dezembro de 2013

Paisagem



De tempos em tempos
o cenário reconstitui-se:
Esboço de aquarela.
Sorriso esgarçado,
tange o presente.
Tinge possibilidades.
O pôr do sol sentenciou o fim...
Mas, em breve instante,
emprestou à cálida e suave nuance
o brilho da aurora!
Entre o fim e o começo...
Passos
ora firmes, ora hesitantes,
diante de uma paisagem
que se dissolve,
que se reconfigura.
Em estranhamento.
Território ignoto.
Sem trilha.
Mata densa.
Mas ainda tenho meus pés
nus, feridos.
E uma cicatriz no pulso
que me recordam que é tempo
de prosseguir.

Leila

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Acaso




Se me pedissem para narrar
aquele instante que separa o improvável do possível
diria que, como uma centelha, ainda que efêmera,
é capaz de incendiar e transformar a verdejante folha em cinzas,
ou mesmo fazer atear fogo e assim, por fim à escuridão,
este fragmento de tempo surgiu,
ofuscando os instantes seguintes
tornando-os apenas coadjuvantes na sequência dos eventos.
Sim, estrelas me confidenciaram
sobre a sarça que arde no peito:
"veja com a luz que brota em teu coração!"
E, ao contemplá-las após a presença das águas,
- testemunhas do tempo, das estações, das mudanças, da vida -
um estranho desejo apoderou-se de mim:
desejava mesmo ouvir sua canção
e isso era tudo que eu queria naquele instante,
o seu chamado...
... e eis que a ouvi!
Parece sonho - pensei!
tão leve e espontânea era,
calma,
tranquila,
descomplicada,
...simples!
Como acordes de silêncio a emergir da luz dos olhos...
ali, bem ali estava a cálida chama.
E eis que ela me envolve...
Chama-me para enxergar,
através de espelhos d'água,
uma outra realidade que se esculpe diante de mim.
Grávida, de infinitas possibilidades.
Foi então que segui:
a errante estrela, o acaso,
anunciador de (des)caminhos...
outras trajetórias...

Leila

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Inspiração... A dança e a alma



A dança? Não é movimento
súbito gesto musical
É concentração, num momento,
da humana graça natural

No solo não, no éter pairamos,
nele amaríamos ficar.
A dança-não vento nos ramos
seiva, força, perene estar
um estar entre céu e chão,
novo domínio conquistado,
onde busque nossa paixão
libertar-se por todo lado...

Onde a alma possa descrever
suas mais divinas parábolas
sem fugir a forma do ser
por sobre o mistério das fábulas

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Inspiração... [das Elegias de Duíno]



Tu, quer a transformação. Oh deixa arrebatar-te pela chama
em que algo se te escapa que se ufana de metamorfoses;
aquele Espírito criador, que domina o que é terreno,
não ama, no lanço da figura, nada tanto como o ponto giratório.

O que se fecha na mobilidade, é já inteiriçado;
supõe-se acaso seguro na proteção do pardacento ensosso?
Espera, o mais duro adverte de longe o que é duro.
Ai: o martelo ausente ergue-se para o golpe.

Quem como fonte transborda, o conhecimento o conhece;
e conduzi-lo em êxtase através da Criação serena
que como princípio muitas vezes acaba e com o fim principia.

Todo espaço feliz é filho ou neto da separação,
que eles percorrem, em espanto. E a Dafne transformada,
desde que sente como loureiro, quer que te mudes em vento.

Rainer Maria Rilke

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Inspiração... Lisbon Revisited (1923)



NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

Álvaro de Campos

domingo, 27 de janeiro de 2013

Inspiração... Acrobata da dor



Gargalha, ri, num riso de tormenta,
Como um palhaço, que desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.
     
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita os guizos, e convulsionado
Salta, gavroche, salta clown, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta...
     
Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas d'aço...
     
E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente
Ri! Coração, tristíssimo palhaço.

Cruz e Souza