"A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraiso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tem nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!" Octavio Paz


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Inspiração... Pétala


Pétala
Djavan

O seu amor
Reluz
Que nem riqueza
Asa do meu destino
Clareza do tino
Pétala
De estrela caindo
Bem devagar...

Oh! meu amor!
Viver
É todo sacrifício
Feito em seu nome
Quanto mais desejo
Um beijo, um beijo seu
Muito mais eu vejo
Gosto em viver
Viver!

Por ser exato
O amor não cabe em si
Por ser encantado
O amor revela-se
Por ser amor
Invade
E fim!

http://www.youtube.com/watch?v=QtivYs8l1i4

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Inspiração... Galope rasante




Galope Rasante
Zé Ramalho

A sombra que me move
Também me ilumina
Me leve nos cabelos
Me lave na piscina
Em cada ponto claro
Cometa que cai no mar
Em cada cor diferente
Que tente me clarear
É noite que vai chegar
É claro, é de manhã
É moça e anciã

O pêlo do cavalo
O vento pela crina
O hábito no olho
Veneno lamparina
Debaixo de sete quedas
Querendo me levantar
Debaixo de teu cabelo
A fonte de se banhar
É ouro que vai pingar
Na prata do camelô
É noite do meu amor

É noite que vai chegar
É claro que é de manhã
É moça e anciã

http://www.youtube.com/watch?v=57_5eY8bLLE&feature=related

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Frida no espelho

 Árvore da Esperança, Mantém-te Firme!, 1946 - Frida Kahlo
(Óleo sobre tela) 

Uma luz a faz despertar
e despedaça a superfície de seus dias,
erigindo magnífico espelho
fraturado,
fragmentado,
convexo,
de onde se vê
a projeção de seus traços
entrelaçados ao real,
trágico.
No esboço de sua face de menina,
esculpiu-se fortaleza feminina,
traduzindo-se nas cores das sombras de seu subterrâneo ser.
Alma perfurada, rasgada, alfinetada,
agarrou-se passionalmente
à densa areia de sua tela.
Eremita,
pincelou com a dor
até à exaustão de sua alma
caleidoscópica.
Leila

Inspiração... Contei meus anos




"Contei meus anos e descobri que tenho menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro. Então, já não tenho tempo para lidar com mediocridades.

Não quero reuniões em que desfilam egos inflamados.

Inquieto-me com invejosos cobiçando o lugar de quem eles admiram.

Já não tenho tempo para conversas inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas idosas, mas ainda imaturas.

Detesto pessoas que não debatem conteúdos, mas apenas rótulos!...

Quero viver ao lado de gente que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade.

Quero caminhar perto de coisas e pessoas de verdade.

Apenas o essencial faz a vida valer a pena.

E para mim, basta o essencial!"
Mário de Andrade

http://tvcultura.cmais.com.br/provocacoes/pgm-582-contei-meus-anos-e-descobri-04-09-2012-1

domingo, 25 de novembro de 2012

Inspiração... E se um dia um demônio...



E se um dia um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse:

"Esta vida, assim como a vives e sempre viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes, não haverá nela nada de novo!

Cada dor, cada pensamento, tudo que há de pequeno em tua vida há de retornar. Tudo, na mesma ordem e sequência. E, do mesmo modo, esse instante e eu próprio: o demônio. O eterno relógio da existência reiniciará outra vez a contagem do seu tempo, e do tempo das tuas desgraças.

Não te lançarias ao chão rangendo os dentes e amaldiçoando o demônio?

Não, não. Responderias medrosamente que nunca te disseram algo mais divino. Diga, nunca te disseram algo mais divino?

Mentirias que queres para sempre a tua própria desgraça? Vê bem, se disseres que sim, estarás apenas piorando a eternidade."
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

1º de agosto

A Espera - Babinski (acrílica sobre tela)

Não! Não foi neste dia...
na fria manhã de inverno,
quando regressei das terras do sul,
e ouvi melodiosas vozes
que, atrevidas, saiam
da parda folha, cor da estação anterior,
impregnada com um perfume amadeirado,
adornada com um Babinski,
obra sua, para me impressionar!
Também não foi naquele janeiro,
que entre taças de vinho 
e um sonho de verão,
nos amamos no alto de uma torre.
Não, não foram nesses dias...
Ah! Mas ainda teve aquela tarde de sábado 
cinzento, de um certo mês,
de mil novecentos e noventa e tal
quando houve o tal furto,
Teus amigos me contaram que,
enquanto você me esperava, 
alguém levou teu fusca branco,
sem seguro,
com tuas frutas e teu livro predileto
e fizeram questão de observar o quanto você se arriscava!
Não, não foi nesse dia...
Sabe aquela noite em que te liguei
só porque a cálida luz da lua azul
fazia desabrochar as flores de maio,
e fiz você ser testemunha?
Até achei que esse fosse o dia,
mas não era!
Por muito tempo, pensei que
tivesse sido em cada um dos dias em que te ver 
sempre era uma primeira vez:
eu, a alguns passos de casa e você,
no portão;
eu, no alto de um mirante e,
você, sobre a ponte, alimentando as carpas;
eu, divagando sobre trilhos e,
você, saltando de paraquedas;
eu, abrindo uma trilha e,
você, enfrentando a correnteza;
eu, bordando o céu com estrelas e,
você, desenhando nas nuvens;
eu, brincando com fogo e,
você, ensaiando o voo!
Na ânsia de saber esse dia,
investi em outros caminhos
até então inexplorados:
do sonho, da adivinhação, 
da clarividência...
Já tinha ouvido falar, dos mais místicos,
que se soubesse o número do destino
teria, então, muitas revelações!
Para isso, bastava fazer a pergunta certa!
Qual?
Havia uma, que me pareceu bastante apropriada:
- Há quanto tempo existimos um para o outro?
Sou do mês de maio,
e você, de fevereiro...
nossa diferença é de...
Nove meses! O tempo de uma gestação.
Nove. 
Seria esse o nosso número?
E, nove explica o que mais?
Não explica!
porque, como dois, concebemos um existir,
o que nos tornamos.
Em sua totalidade,
porque existimos e, ainda assim, não existimos:
Fomos, somos e ainda seremos um para o outro!
O tempo... esse simplesmente é!
Em que dia mesmo você se tornou para mim
apenas uma possibilidade?
Leila

Inspiração... Canta, meu coração!




Canta, meu coração, os jardins que não conheces;
Jardins como que vazados em vidro, claros, inacessíveis.
Água e rosas de Ispahan ou de Xiraz,
canta-os ditosos, louva-os, a nenhum comparáveis.

Mostra, meu coração, que nunca deles te privas.
Que os seus figos a amadurecerem pensam em ti.
Que convives c'os seus ares que entre os seus ramos
em flor se sublimam como em faces.

Evita o erro das privações
para a resolução acontecida: de ser!
Fio de seda, vieste entrar na teia.

A qualquer das imagens que no íntimo venhas unir-te
(seja mesmo um momento da vida da dor),
sente que o que se tem em vista é o tapete, inteiro e glorioso.
Rainer Maria Rilke

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Tempo (ou templo) de aprender

Catedral São João Batista - Jandaia do Sul (PR)

No caminho,
ipês, paineiras, 
uma velha araucária,
hortênsias e margaridas...
companheiros de pique-esconde
da Praça do Café.
No colégio Castro Alves
a menina em seu primeiro dia de aula
impecável: 
jardineira pregueada, num azul índigo.
Brancas: 
camisa com bolso bordado a mão e meias três quartos
Fita no cabelo,
fita a capa de seu livro
novinho e encapado!
A lição:
letras e letras a desenhar
sozinhas ou de mãos dadas.
A campainha...
avisa à guria que já é hora de ir
quando então fecha seu livro de aprender.
A caminho,
Uma revoada de andorinhas 
e o cheiro de terra molhada!
Na paisagem, um exército verde e enfileirado
sobre um tapete vermelho a perder de vista!
Os sinos da torre da catedral
anunciam a benção da avó
acompanhada de bolo de milho,
biscoito de polvilho
e brevidade.
No bule, o café
plantado, colhido, torrado e moído
passado pelo coador de pano,
feito por mãos fortes, porém de afago suave
que nunca sequer desenhou letras,
juntas ou apartadas.
Mas a anciã, com sua sabedoria,
sabe partilhar,
num breve momento, com a menina,
lições de outros tempos:
rezas, histórias antigas,
causos e cantigas
... e as peraltices de outrora
testemunhadas por tão somente
bonecas de sabugo e de pano,
deixam revelar memórias
de um tempo-espaço que não cabe em si mesmo,
(pois que não é de sua natureza!).
De um tempo que não cessa em ser criado
e recriado.
Leila

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Minha oração


Monumento em homenagem aos pioneiros do café - Jandaia do Sul  (PR)

Nas terras, 
de cor e densidade sanguíneas,
encontram-se as profundas e resistentes
raízes de minha história;
porquê viva, 
ainda vibra e pulsa!
Dali, dos que enalteciam cada amanhecer,
meus bisavós, avós e pais,
herdei uma antiga
 – porém ainda misteriosa –
tradição aos não iniciados:
fazer ressurgir do pó,
pela fusão com líquido
cristalino e escaldante,
o café forte de cada dia:
Minha oração.
Leila

Inspiração... Matéria de poesia - Manoel de Barros


A Antônio Houaiss (1974)

Todas as coisas cujos valores podem ser
disputados no cuspe à distância
servem para a poesia

O homem que possui um pente
e uma árvore
serve para poesia

Terreno de 10x20, sujo de mato – os que
nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
servem para poesia

Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
são bons para poesia

As coisas que não levam a nada
têm grande importância

Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral

O que se encontra em ninho de joão-ferreira :
caco de vidro, garampos,
retratos de formatura,
servem demais para poesia

As coisas que não pretendem, como
por exemplo: pedras que cheiram
água, homens
que atravessam períodos de árvore,
se prestam para poesia

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia

As coisas que os líquenes comem
- sapatos, adjetivos -
tem muita importância para os pulmões
da poesia

Tudo aquilo que a nossa
civilização rejeita, pisa e mija em cima,
serve para poesia

Os loucos de água e estandarte
servem demais
O traste é ótimo
O pobre – diabo é colosso

Tudo que explique
o alicate cremoso
e o lodo das estrelas
serve demais da conta

Pessoas desimportantes
dão para poesia
qualquer pessoa ou escada

Tudo que explique
a lagartixa de esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia

O que é bom para o lixo é bom para poesia

Importante sobremaneira é a palavra repositório;
a palavra repositório eu conheço bem:
tem muitas repercussões
como um algibe entupido de silêncio
sabe a destroços

As coisas jogadas fora
têm grande importância
- como um homem jogado fora


BARROS, Manoel de. "Gramática Expositiva do Chão (Poesia quase toda)". Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Inspiração... Metade


Amor fati



Amo-te, grão de areia,
infinitesimal
destino meu!
Tu és belo,
pérola minha!
Porém, ainda diamante bruto
à espera de lapidário
que te revele o brilho ocultado.
Minha alma incandescente, incansável, indomável
arde pelo vetor que a conduzirá até a ti,
minha estrela!
Pois, toda alma bem sabe que
é no pulsar do coração,
que se manifesta na fluidez sanguínea
a sua intensidade.
E, em cada inspiração,
na diretriz vertebral dos ventos que navegam
na tão ansiada trilha
definida pela rosa dos ventos,
encontra-se a liberdade!
E em cada conexão neural,
delineia-se o sentido vital
- a um só tempo -
nas asas de um atrevido colibri,
mais veloz que a luz!
E, somente assim,
Percepção, intuição e pensamento
compõe, entre si,
uma trindade em perfeita comunhão!
Ah... a tão almejada comunhão!
Mas por ora, solidão amiga,
aprenda tu a dialogar
no idioma daqueles imprescindíveis
- de natureza serena e silenciosa -
os filhos da terra,
portadores de harmonia cósmica,
que não se fatigam em aconselhar, acalmar, apaziguar
à todos a quem deles se aproximam!
Leila

domingo, 18 de novembro de 2012

Inspiração... Vagar sem rumo


"O personagem que escreveu essas notas morreu ao pisar de novo terra argentina. Aquele que as organiza e lhes dá polimento, eu, não sou eu; pelo menos não sou o mesmo eu interior. Esse vagar sem rumo pela nossa maiúscula América me transformou mais do que pude crer." Ernesto Che Guevara, Primeiras Viagens



Quem sou eu


Sou una. E múltipla.
Coração indivisível,
paradoxal à razão,
e, por isso mesmo, repleto de suas próprias razões,
que impulsionam o  meu ser:
a própria Vida...
Que se movimenta no espaço de meu corpo
sob a forma de teimosia e entusiasmo, arrogância e espontaneidade,
ousadia e criatividade, desconfiança e sinceridade,
obsessão e lealdade, paixão e amor...
alimentados pelos sonhos.
Ah! os sonhos...
esses me deixam em estado de êxtase!
Esses norteiam
o meu destino!
Leila