"A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular. Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero. Oração, litania, epifania, presença. Exorcismo, conjuro, magia. Sublimação, compensação, condensação do inconsciente. Expressão histórica de raças, nações, classes. Nega a história, em seu seio resolvem-se todos os conflitos objetivos e o homem adquire, afinal, a consciência de ser algo mais que passagem. Experiência, sentimento, emoção, intuição, pensamento não dirigido. Filha do acaso; fruto do cálculo. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras; criação de outras. Imitação dos antigos, cópia do real, cópia de uma cópia da Ideia. Loucura, êxtase, logos. Regresso à infância, coito, nostalgia do paraiso, do inferno, do limbo. Jogo, trabalho, atividade ascética. Confissão. Experiência inata. Visão, música, símbolo. Analogia: o poema é um caracol onde ressoa a música do mundo, e métricas e rimas são apenas correspondências, ecos, da harmonia universal. Ensinamento, moral, exemplo, revelação, dança, diálogo, monólogo. Voz do povo, língua dos escolhidos, palavra do solitário. Pura e impura, sagrada e maldita, popular e minoritária, coletiva e pessoal, nua e vestida, falada, pintada, escrita, ostenta todas as faces, embora exista quem afirme que não tem nenhuma: o poema é uma máscara que oculta o vazio, bela prova da supérflua grandeza de toda obra humana!" Octavio Paz


segunda-feira, 22 de abril de 2013

Acaso




Se me pedissem para narrar
aquele instante que separa o improvável do possível
diria que, como uma centelha, ainda que efêmera,
é capaz de incendiar e transformar a verdejante folha em cinzas,
ou mesmo fazer atear fogo e assim, por fim à escuridão,
este fragmento de tempo surgiu,
ofuscando os instantes seguintes
tornando-os apenas coadjuvantes na sequência dos eventos.
Sim, estrelas me confidenciaram
sobre a sarça que arde no peito:
"veja com a luz que brota em teu coração!"
E, ao contemplá-las após a presença das águas,
- testemunhas do tempo, das estações, das mudanças, da vida -
um estranho desejo apoderou-se de mim:
desejava mesmo ouvir sua canção
e isso era tudo que eu queria naquele instante,
o seu chamado...
... e eis que a ouvi!
Parece sonho - pensei!
tão leve e espontânea era,
calma,
tranquila,
descomplicada,
...simples!
Como acordes de silêncio a emergir da luz dos olhos...
ali, bem ali estava a cálida chama.
E eis que ela me envolve...
Chama-me para enxergar,
através de espelhos d'água,
uma outra realidade que se esculpe diante de mim.
Grávida, de infinitas possibilidades.
Foi então que segui:
a errante estrela, o acaso,
anunciador de (des)caminhos...
outras trajetórias...

Leila